ARTIGO DE OPINIÃO, publicado no jornal NH, desta quinta-feira, dia 27.11.2014, p. 15
Antes de qualquer coisa é preciso
dizer que sou descendente de portugueses. E isso vale como se diz “para o bem e
para o mal”. E, ao contrário do que muitos queiram fazer parecer, há uma carga
cultural e política implícita no fato de termos nos formado a partir da
conquista portuguesa nessas terras tropicais.
Isso não nos faz melhores nem piores que qualquer outro povo hoje sobre
a terra, mas, sem dúvidas, traz consigo valores e símbolos difíceis de serem
encobertos à luz do dia.
Pode parecer uma piada, de mau
gosto talvez, mas não é. A corrupção de agentes públicos e privados desembarcou
aqui no Brasil a partir das naus portuguesas em abril de 1500. Os povos nativos
(brasileiros pré-cabralinos) aqui viviam aparentemente sem conhecer muitos dos
valores lusitanos à época. Por exemplo, não tinham ideia do “direito
internacional” vigente que supostamente daria a posse e o domínio sobre as
terras em que estes viviam aos recém-chegados a Terra brasilis. Tanto é que muito rapidamente os povos nativos
estavam trocando as riquezas naturais por espelhos e outras bugigangas que até
então desconheciam e que eram trazidos pelos conquistadores para uma espécie de
troca.
Pero Vaz de Caminha registrou nas
entrelinhas da famosa carta ao Rei a respeito da terra “achada”: “Até agora não
pudemos saber se há ouro ou prata nela, ou outra coisa de metal, ou ferro [...]
Contudo a terra em si é de muito bons ares frescos e temperados [...] Águas são
muitas, infinitas. Em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitas,
dar-se-á nela tudo, por causa das águas que tem”. Muito se disse sobre o foco
de Portugal com as Índias Orientais (e não com o Brasil) nas primeiras três
décadas do “achamento”. Assim como na
viagem de descobrimento e exploração havia a associação entre a Coroa (Estado
Português) e o capital privado para a formação de uma empresa capaz de dar
conta da empreitada, ocorreu ao longo do século 16 e dos seguintes uma série de
arranjos empreendedores que lembram as atuais concessões públicas ou parcerias
público-privadas (PPPs).
Voltando à piada: “até as naus do
Cabral foram superfaturadas”. Assim podemos dizer “nasceu o Brasil” na história
dos tempos modernos. A corrupção, o superfaturamento em obras públicas, o
enriquecimento ilícito de megampreiteiras é tão antigo como nossa história.
Aliás, fazendo-se justiça aos portugueses e a bem da verdade, os malfeitos
todos têm a idade da humanidade. O que é estranho? É ver gente tão ingênua
enxergando corrupção no Brasil somente nesses últimos tempos. Tempos esses de
vigência de um Estado Democrático de Direito que, ainda que imperfeito, dispõe
dos instrumentos necessários para que se imponha a empreendimentos públicos e
privados os princípios de retidão que se esperam. Vamos aproveitar a oportunidade
e enfrentar essa cultura da apropriação privada dos recursos públicos?
*Julio Dorneles é professor, especialista em administração
pública, com formação em teologia e história.