Artigo de opinião
Por Julio Dorneles*
Ao entrarmos na segunda metade do
mês de setembro e a pouco mais de três meses para encerrar-se o ano, eu me
dirigia para mais uma noite “normal” de trabalho na escola ouvindo o noticiário
na rádio: “o Estado (RS) chega a 66 mulheres vítimas fatais em casos de
agressão pelo companheiro, marido ou namorado”. “66 mulheres brutalmente
assassinadas!” eu pensei: como é que pode? E isso em dois terços do ano (em
2012 foram 91 mulheres mortas nas mesmas condições!).
Trata-se de um dado inaceitável e
intolerável. De forma alguma podemos considerar normal, natural ou tolerável
tamanha violência de gênero, contra mulheres que certamente não tiveram
qualquer chance de defesa, pois seus agressores eram até então seus próprios
companheiros. A notícia da 66ª vítima chegou com o anúncio de ter sido esta
assassinada porque teria decidido encerrar sua relação amorosa com o agressor,
o que este não aceitara. Lembrei que essa mesma “razão” já ouvira em outras
vezes em que a imprensa noticiara outras mulheres vítimas. Mas não deveria ser
simples assim: “terminou o amor, cada um siga com sua vida, e em paz?”.
A notícia da 66ª vítima foi
complementada pela fala do oficial militar que acompanhou a ocorrência. Segundo
ele, parece que havia já um histórico de “lei Maria da Penha” em relação ao
agressor, mas que, ao que tudo indica, não haveria sido adotada qualquer medida
protetiva em favor da mulher vítima de violências recorrentes. Logo me veio à
mente que enquanto eu escrevia esse artigo, há uma grande probabilidade de
ocorrer uma nova agressão fatal e definitiva a uma mulher em alguma de nossas
cidades gaúchas. Ainda agrava mais a indignação com essa naturalização da
violência contra a mulher saber que os casos que são registrados não envolvem
sujeitos com transtornos psíquicos graves ou aparentes. Pelo contrário, é comum
vermos surgir mãe, ou pai, ou amigo do agressor que diz a já clássica frase:
“Ele é (!) uma pessoa muito boa, não sei o que aconteceu”.
Tudo isso é inaceitável, mas é
muito coerente com a natureza de nossa sociedade. Sem dúvidas o Brasil, e o RS
aí incluído, tem um histórico machista, sexista e de violência. O que ocorre
com as mulheres em nosso estado é perfeitamente coerente com uma sociedade que
apoia majoritariamente o porte de armas de fogo, ainda que se saiba que a
primeira vítima de uma arma de fogo é a mulher do proprietário, e a segunda,
ele próprio. Uma sociedade em que
meninos ainda são ensinados a ser “caçadores” e meninas, obviamente, a “caça”.
Uma sociedade em que as pessoas rapidamente aderem a campanhas em defesa da
Amazônia ou das tartarugas marinhas (que são lutas muito importantes e dignas),
mas que tem uma resistência absurda quando se fala em defesa de DIREITOS
HUMANOS e de DIREITOS DAS MULHERES.
* Julio Dorneles é consultor,
especialista em administração pública, foi coordenador-geral da Famurs.