quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Lucro e saneamento: a crise da água - por Julio Dorneles*


Acompanhamos com apreensão a crise de abastecimento no Estado de São Paulo. Por um longo período com volumes de chuvas muito abaixo da média, São Paulo se vê diante de um possível colapso de seu sistema de recursos hídricos (água).  Sem grandes volumes de água para captar, não somente se instala uma crise profunda que afeta o abastecimento. Vai muito além. Atinge a geração de energia, o tratamento de esgoto e resíduos, a produção de alimentos,  a atividade industrial, serviços e por aí afora. Uma crise, sobretudo, perfeitamente enquadrada no âmbito da segurança e da defesa civil.

Há tempos temos dito que recursos hídricos e saneamento são questões de segurança, pois afetam diretamente a manutenção e a preservação da vida das pessoas, da economia e até mesmo da integridade do território. Lamentável, contudo, é que muitos somente se deem conta disso nesses momentos extremos de crise de balanço hídrico (quando o consumo de água é maior do que a “produção” ou disponibilidade desse bem essencial).

Mas o que você talvez não imagine é que diante dessa crise da água (cujo processo formador é uma verdadeira “guerra” pelo controle das águas superficiais e subterrâneas), o setor do saneamento é um dos mais lucrativos no mercado brasileiro. Os papéis (títulos, ações) negociados na bolsa de valores de São Paulo vinculados ao desempenho de companhias de saneamento privadas ou de capital misto (público e privado) têm resultado superado somente pelo desempenho financeiro dos bancos mais rentáveis. Acreditem:  a Sabesp tem distribuído resultados (dividendos) muitas vezes superiores a dezenas de outros setores da economia a seus acionistas (incluindo-se aí seus acionistas estrangeiros).

Todos têm direito a serviços eficientes, sejam estes públicos ou privados, ou mesmo quando ocorrem as parcerias público-privadas (PPPs). Esse direito é ainda mais amplo e inquestionável quando se trata da água, do saneamento. Uma das possibilidades que explicariam com clareza a grave crise de abastecimento que hoje afeta São Paulo está aí: muito provavelmente os investimentos que deveriam ter sido realizados desde a abertura do capital da Sabesp podem não ter ocorrido a fim de ampliar a margem de lucro da empresa. E fica a pergunta: é possível conciliar investimentos em saneamento com lucro sem gerar impactos altamente negativos para a sociedade?

*Julio Dorneles é especialista em administração pública e atual diretor técnico da Corsan.

A cara no fogo

Julio Dorneles*, 29 março/22 Disse Maquiavel em uma passagem de O Príncipe: “Os homens são tão simplórios e obedientes às necessidades imedi...