Acompanhamos com apreensão a crise de abastecimento no Estado de São Paulo. Por um longo período com volumes de chuvas muito abaixo da média, São Paulo se vê diante de um possível colapso de seu sistema de recursos hídricos (água). Sem grandes volumes de água para captar, não somente se instala uma crise profunda que afeta o abastecimento. Vai muito além. Atinge a geração de energia, o tratamento de esgoto e resíduos, a produção de alimentos, a atividade industrial, serviços e por aí afora. Uma crise, sobretudo, perfeitamente enquadrada no âmbito da segurança e da defesa civil.
Há tempos temos dito que recursos hídricos e saneamento são
questões de segurança, pois afetam diretamente a manutenção e a preservação da
vida das pessoas, da economia e até mesmo da integridade do território.
Lamentável, contudo, é que muitos somente se deem conta disso nesses momentos
extremos de crise de balanço hídrico (quando o consumo de água é maior do que a
“produção” ou disponibilidade desse bem essencial).
Mas o que você talvez não imagine é que diante dessa crise
da água (cujo processo formador é uma verdadeira “guerra” pelo controle das
águas superficiais e subterrâneas), o setor do saneamento é um dos mais
lucrativos no mercado brasileiro. Os papéis (títulos, ações) negociados na
bolsa de valores de São Paulo vinculados ao desempenho de companhias de
saneamento privadas ou de capital misto (público e privado) têm resultado
superado somente pelo desempenho financeiro dos bancos mais rentáveis.
Acreditem: a Sabesp tem distribuído
resultados (dividendos) muitas vezes superiores a dezenas de outros setores da
economia a seus acionistas (incluindo-se aí seus acionistas estrangeiros).
Todos têm direito a serviços
eficientes, sejam estes públicos ou privados, ou mesmo quando ocorrem as
parcerias público-privadas (PPPs). Esse direito é ainda mais amplo e
inquestionável quando se trata da água, do saneamento. Uma das possibilidades
que explicariam com clareza a grave crise de abastecimento que hoje afeta São
Paulo está aí: muito provavelmente os investimentos que deveriam ter sido
realizados desde a abertura do capital da Sabesp podem não ter ocorrido a fim
de ampliar a margem de lucro da empresa. E fica a pergunta: é possível
conciliar investimentos em saneamento com lucro sem gerar impactos altamente
negativos para a sociedade?
*Julio Dorneles é especialista em administração pública e
atual diretor técnico da Corsan.
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