Por Julio Dorneles*
Sei muito bem que essa é uma
reflexão que muitos vão julgar desnecessária, contudo, penso ser ela urgente. O
surgimento e a difusão do Coronavírus pelo mundo, contaminando milhões de
pessoas e levando à morte um número crescente de vítimas ao longo de 2020, exige
de nós um empenho tanto racional como emocional. Precisamos aprender a partir
da vivência desse fenômeno imprevisto e sem precedentes em termos de seus
impactos na saúde e na economia.
O mundo está na expectativa de
que se tenha uma vacina eficaz, pois sequer se tem uma medicação ou um coquetel
de medicamentos que sejam plenamente eficazes no controle da doença – Covid-19.
Doença essa inicialmente vista por dirigentes nacionais como Trump (EUA) e
Bolsonaro (Brasil) como uma “gripezinha” que somente mataria os mais fracos. Há
grandes possibilidades, segundo indicam os estudos mais recentes, de que em breve
teremos acesso a uma vacina eficaz. Mas e se isso não ocorresse? Ou se depois de
termos uma vacina ocorresse uma nova onda de contágios por um novo vírus ou
mesmo por uma mutação desconhecida do Coronavírus? O que mudaríamos na nossa
conduta pública? Ou, o que mudaria na conduta dos governantes que até aqui têm
negado ou minimizado os riscos da pandemia?
Quando observamos as condutas
manifestadas ao longo da pandemia, como exemplos, dos presidentes do Uruguai e
da Argentina em contraste com o presidente brasileiro. Podem ser vistas dois
tipos de condutas muito distintas. A dos hermanos, revestidos de uma
ética pública, de uma preocupação com o coletivo, com a nação, com o ser exemplo
de conduta para seus comandados. Já no campo oposto houve todo tipo de mau exemplo,
de uma conduta que expressa um desrespeito pela liturgia do cargo, a adesão por convicções pessoais a certo
negacionismo e a prática recorrente de condutas que promovem a difusão do vírus:
o não uso de máscaras, o não respeitar o distanciamento e a promoção de
aglomerações. Isso tudo sem falarmos em um presidente atuar como garoto-propaganda de uma medicação, como se fosse papel de um presidente orientar
tratamento ou prescrever medicação.
Vale referir que tanto no Uruguai
como na Argentina, desde março, toda as campanhas de divulgação das condutas de
enfrentamento da Covid-19 em todos os meios de comunicação, inclusive nas redes
sociais, são lideradas pela instituição “Presidência da República”. De forma unívoca,
cidadãos uruguaios e argentinos foram orientados por diretrizes sanitárias
claras desde o começo da pandemia. Os resultados em termos de contágios e
mortes são igualmente distintos quando comparamos nossos “hermanos” com os
resultados da pandemia no Brasil.
Norberto Bobbio, citando Max
Weber, certa vez disse que “a ética da convicção e a ética da
responsabilidade não podem estar separadas na conduta do grande político”.
A primeira, como acredito ter sido levada a suas consequências extremas é
própria do fanático. Que, segundo Bobbio é uma figura repugnante, no que devo
concordar plenamente. Por sua vez, a ética da responsabilidade separada da ética
da convicção e distante dos princípios que dão origem aos grandes feitos, tão
somente voltada aos resultados (fins), é característica do cínico. Tanto o
fanático como o cínico são figuras reprováveis em termos morais.
Embora muitos se ofendam, não
resta qualquer dúvida de que não temos um grande político na Presidência da
República. Nos faz muita falta uma ética pública na Presidência.
*O autor é mestre em desenvolvimento regional
(Faccat), especialista em administração pública (EA/UFRGS), bacharel em teologia
(Faculdades EST) e licenciado em história (Unisinos).