Impróprias
águas
Julio
Dorneles*
“Ao
nascer, a mãe o mergulhou no Estige, o rio infernal, para torná-lo
invulnerável. Mas a água não lhe chegou ao calcanhar, pelo qual
ela o segurava, e que assim se tornou seu ponto fraco - o proverbial
"calcanhar de Aquiles".
As
frequentes mortes recorrentes no trecho leopoldense do Rio dos Sinos
provocam nossa reflexão e lançam inquietudes existenciais de
gerações passadas e futuras na ordem do dia. Como pessoas adultas,
por vezes levando seus filhos, se arriscam em águas impróprias para
o banho e incompatíveis com parâmetros de saúde e de segurança?
Prolongadas
estiagens e calor intenso agravam e aceleram a degradação da
qualidade da água do Sinos no seu curso capilé de tal forma que é
difícil visualizá-lo como um “rio”. Ao mesmo tempo, esse rio
parece exercer tal magnetismo que “justifica” ou dá vasão a que
sujeitos deixem suas frágeis existências esgotarem-se em seus
leitos. Isso em um canal não superior a 3 km de extensão,
onde outrora pulsava a vida social e afetiva de gerações de
leopoldenses, desde 1824, a cada ano se acumulam lápides à ausência
ou repressão da razão. Aliás, salta aos olhos o fato de boa parte
das mortes ocorrer justamente no ponto de desembarque dos primeiros
imigrantes alemães, antes de se destinarem à Feitoria. Também é
esse ponto do rio o mais dramático do ponto de vista da qualidade da
água, tendo em vista que recebe das cidades a montante a maior
concentracão de poluentes orgânicos e químicos. Sendo que os
maiores volumes de suas águas se expraiam nas regiões de Rolante a
Campo Bom, e os efeitos do remanso do Delta do Jacuí já não chegam
a São Leopoldo como às cidades a jusante. Resultado, mais carga
poluidora concentrada e menos disponibilidade de água.
Ainda
que estejam vasão e níveis baixos (principalmente durante o Verão),
o Rio dos Sinos reserva, até mesmo a nadadores e salva-vidas
profissionais, armadilhas que capturam os frágeis organismos
humanos. Estes se vão do cenário familiar em impróprias águas,
prematura e inconsequentemente. Até porque as águas do Sinos não
se adequam a condições mínimas de balneabilidade, menos ainda à
vontade daqueles que, ainda que inconscientemente, negam a sua
natureza humana, ou seja, sua fragilidade e transitoriedade.
Falta-nos educação ambiental, mas, principalmente, a noção de
respeito à natureza e seus sistemas, imensamente superiores a nossas
vontades individuais.
Sabe-se
que os primeiros passos significativos para a recuperação ambiental
do Rio dos Sinos foram dados desde a criação do Consórcio
Pró-Sinos em 2007, integrando ações, programas e projetos de
prefeituras, companhias de saneamento, Governo do Estado e Governo
Federal. Contudo, a jornada da revitalização da Bacia do Sinos é
ainda mais longa em termos sociais e culturais do que no
“saneamento”, stricto sensu.
*Professor
esp. em administração pública, ex-diretor executivo do Pró-Sinos.
Atual Coordenador Geral da FAMURS.
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