sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Democracia para cegos

O Jornal de Gramado - JG - do grupo Editorial Sinos, publicou na edição de hoje artigo de opinião em que procuro realizar um contraponto diante de um artigo carregado de agressões a quem soberanamente votou em Dilma Rousseff para sua reeleição como presidenta da República.
Evidente que os argumentos servem também para aqueles que manifestam não só um "mimimi" de quem "perdeu" mas, principalmente, para aqueles que nas redes sociais reproduzem um ódio (condenável) e, inclusive, ideias explicitamente fascistas e discriminatórias.
Segue o artigo:

Democracia para cegos
por Julio Dorneles*
 
Na democracia toda a opção política que não ofenda o próprio Estado Democrático de Direito previsto na constituição é legítima. Nesse sentido, com a devida licença democrática e a inconteste liberdade de divergir, confesso que vi em artigo publicado no JG (terça, dia 04/11), ofensas à grande parcela da população brasileira. Com um vocabulário estranho às ciências políticas e humanas, a autora qualificou de “cegueira”, falta de “sanidade política” e “canalhice” a escolha da maioria dos brasileiros pela recondução de Dilma à presidência da República pelo quarto mandato consecutivo com presidente vinculado ao PT. Entre as “canalhices” que justificam plenamente o voto dos brasileiros em Dilma está o maior volume de recursos investidos na história pelo governo federal em Gramado e região. Outra das “canalhices” está o maior aumento da renda-média dos gramadenses, dos gaúchos e dos brasileiros nos governos “petistas”.
Somente pelo fato incontestável de superar o desgaste natural de três mandatos (a maioria dos governos no mundo está ao final de quatro anos já sob avaliação negativa), mereceria maior cuidado da autora em sua pretensão de produzir um ensaio que compreenda a opção dos brasileiros. Sim, a escolha não foi de “petistas”, mas de cidadãos brasileiros. A presidente Dilma não venceu somente no Nordeste ou entre beneficiários do Bolsa Família. Ela fez mais votos na região Sudeste que em todo o Nordeste. Venceu em Minas Gerais, estado em que Aécio Neves foi governador por dois mandatos. Venceu no Rio de Janeiro e fez entre 45% e 52% dos votos na maioria dos Estados do país. Isso não autoriza ninguém a qualificar os eleitores brasileiros de “cegos que não enxergam um palmo a frente do nariz”. E, muito menos, de adjetivar-nos como praticantes de canalhice. 
Estou de acordo com a legitimidade de todos que viram em Aécio Neves (antes em Eduardo Campo e Marina Silva), alternativa ao projeto que chegou ao governo federal em 2003. Também há pontos que considero extremamente críticos nas políticas que o PT conduz nesse período da era Lula-Dilma. Aliás, talvez a autora não saiba ou não veja, mas os petistas são de longe os eleitores mais críticos ao próprio PT. E da crítica petista sequer escapam áreas como a econômica ou os temas da ética e da corrupção. O que causa absoluta estranheza é querer-se sustentar críticas políticas em preconceitos grosseiros como do tipo manifestado no artigo em questão quando se refere à pobreza e ao Bolsa Família. A autora deveria informar-se mais sobre esse programa social que é modelo de combate à desigualdade e referência mundial.
O que é inacreditável leitor é querer que creiamos que os graves problemas estruturais do Brasil: a injustiça e desigualdade social, os altos tributos, a ineficiência de serviços públicos e privados, a corrupção e, inclusive, a falta de racionalidade na reflexão política de supostos intelectuais ou formadores de opinião, que tudo isso, sejam criações de petistas. Devemos ter mais cuidado ao falar em “cegueira” e que o país está sendo “assaltado silenciosamente”. Quem me dera todos os políticos e empresários envolvidos em corrupção ativa e passiva fossem enviados para a cadeia. Só os que apoiaram Aécio Neves exigiriam uma reforma completa do sistema penitenciário brasileiro. Viva a democracia para aqueles que enxergam e para os que não conseguem ver.
 
*Julio Dorneles é professor, especialista em administração pública, com formação em teologia e história.

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