quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Veio de Portugal

 
por Julio Dorneles*
ARTIGO DE OPINIÃO, publicado no jornal NH, desta quinta-feira, dia 27.11.2014, p. 15

 
Antes de qualquer coisa é preciso dizer que sou descendente de portugueses. E isso vale como se diz “para o bem e para o mal”. E, ao contrário do que muitos queiram fazer parecer, há uma carga cultural e política implícita no fato de termos nos formado a partir da conquista portuguesa nessas terras tropicais.  Isso não nos faz melhores nem piores que qualquer outro povo hoje sobre a terra, mas, sem dúvidas, traz consigo valores e símbolos difíceis de serem encobertos à luz do dia.

Pode parecer uma piada, de mau gosto talvez, mas não é. A corrupção de agentes públicos e privados desembarcou aqui no Brasil a partir das naus portuguesas em abril de 1500. Os povos nativos (brasileiros pré-cabralinos) aqui viviam aparentemente sem conhecer muitos dos valores lusitanos à época. Por exemplo, não tinham ideia do “direito internacional” vigente que supostamente daria a posse e o domínio sobre as terras em que estes viviam aos recém-chegados a Terra brasilis. Tanto é que muito rapidamente os povos nativos estavam trocando as riquezas naturais por espelhos e outras bugigangas que até então desconheciam e que eram trazidos pelos conquistadores para uma espécie de troca.

Pero Vaz de Caminha registrou nas entrelinhas da famosa carta ao Rei a respeito da terra “achada”: “Até agora não pudemos saber se há ouro ou prata nela, ou outra coisa de metal, ou ferro [...] Contudo a terra em si é de muito bons ares frescos e temperados [...] Águas são muitas, infinitas. Em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitas, dar-se-á nela tudo, por causa das águas que tem”. Muito se disse sobre o foco de Portugal com as Índias Orientais (e não com o Brasil) nas primeiras três décadas do “achamento”.  Assim como na viagem de descobrimento e exploração havia a associação entre a Coroa (Estado Português) e o capital privado para a formação de uma empresa capaz de dar conta da empreitada, ocorreu ao longo do século 16 e dos seguintes uma série de arranjos empreendedores que lembram as atuais concessões públicas ou parcerias público-privadas (PPPs).

Voltando à piada: “até as naus do Cabral foram superfaturadas”. Assim podemos dizer “nasceu o Brasil” na história dos tempos modernos. A corrupção, o superfaturamento em obras públicas, o enriquecimento ilícito de megampreiteiras é tão antigo como nossa história. Aliás, fazendo-se justiça aos portugueses e a bem da verdade, os malfeitos todos têm a idade da humanidade. O que é estranho? É ver gente tão ingênua enxergando corrupção no Brasil somente nesses últimos tempos. Tempos esses de vigência de um Estado Democrático de Direito que, ainda que imperfeito, dispõe dos instrumentos necessários para que se imponha a empreendimentos públicos e privados os princípios de retidão que se esperam. Vamos aproveitar a oportunidade e enfrentar essa cultura da apropriação privada dos recursos públicos?

*Julio Dorneles é professor, especialista em administração pública, com formação em teologia e história.

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