domingo, 9 de janeiro de 2011

"Há muitos escondidos no deserto, não estranharia se chegassem mais lanchas"

Dois saaráuis chegados em uma lancha nas Ilhas Canárias (Espanha) explicam os motivos de sua viajem


MÓNICA CEBERIO BELAZA - Puerto del Rosario - 09/01/2011
para El País (Madri, Espanha).


Hamad e Abdalá estão escondidos. Na segunda-feira passada, às quatro horas da manhã, saíram da praia das Negritas, ao norte do cais de El Aaiún, rumo a Fuerteventura junto a uns vinte compatriotas saaráuis e uma dezena de marroquinos. No dia seguinte, quando os turistas apenas começavam a sobremesa, sua pequena lancha com 10 metros de comprimento e 40 cavalos de motor atracava em Playa Blanca – muito próximo à capital de Fuerteventura, Porto de Rosário. Os demais foram detidos e conduzidos ao Centro de Internação de Estrangeiros da ilha. Hamad e Abadalá trataram de correr e se esconderam na montanha. Ainda não decidiram se se entregam às autoridades e pedem asilo político como seus companheiros. “Temos medo que nos devolvam ao Marrocos”, disse Hamad, de 27 anos, o mesmo que seu amigo Abdalá. “Não podemos regressar. Saímos porque não havia alternativa. Todos os saaráuis que viemos na barca estávamos no acampamento de Agdaym Izik [que chegou a reunir mais de 20.000 pessoas, convertendo-se no maior protesto em demanda por direitos no Saara desde 1975]. A polícia está nos procurando. Há um com uma ferida de bala em um pé que caminha mal e outro com uma mão fraturada. Somos vítimas da repressão marroquina.”


Hamad fala espanhol. Abdala só árabe, razão pela qual na conversa é necessário um tradutor. Cada um pagou 600 euros para viajar à Espanha. Abdala passou toda sua vida em El Aaiún na casa da família de Hamad. Nenhum dos dois pode voltar ali depois do violento desalojamento do acampamento pelas autoridades marroquinas em 8 de novembro passado. “A polícia entra nas casas dando uma patada na porta. Levam as pessoas à cadeia e ali te podem fazer qualquer coisa. Já aprisionaram a mais de 300, e em muito más condições. Há muitos escondidos que não podem voltar a El Aaiún e que querem sair dali de qualquer jeito. Nem sequer suas famílias sabem onde estão. A situação atualmente é dramática. Não estranharia se chegassem mais lanchas”.
Os dois haviam participado ativamente no acampamento. Abdala fazia trabalhos de manutenção e limpeza. Hamad integrava parte da equipe “de ordem pública”. “Éramos os que controlávamos a todos os que entravam e saiam dali, e fazíamos as checagens, como a polícia e a aduana, explica. Com a entrada dos militares marroquinos, fugiram juntos pelo deserto com outros dois amigos e se esconderam em uma tenda [jaima] em Edchera durante quase dois meses, tomando leite de cabra e o que achavam por ali.


“Um jovem conhecido de meus amigos passou por ali para oferecer-nos viajar para a Espanha”, conta Hamad. “O primeiro dia que tentamos descer à praia nos encontramos com uma equipe da polícia e demos de volta, mas após algumas tentativas conseguimos chegar. Ali nos juntamos com os demais e subimos na lancha. A viajem foi bastante tranqüila”, refere. Os demais eram uns vinte saaráuis e entre oito e 10 marroquinos, segundo seu relato. A polícia assegura que todos os que viajavam na lancha e foram detidos, 22 adultos e seis menores, disseram ser do Saara.


Tanto Hamad como Abdala sustentam que estão na Espanha porque o Marrocos não lhes deu alternativa. Só concedem a sair de costas na foto e pedem que não apareçam seus nomes verdadeiros porque temem represálias a seus familiares por parte das forças da ordem marroquinas. “Não queremos de nenhuma forma pô-los em perigo”, disse Hamad. “Na verdade nem sequer queríamos sair de nossa terra. Queremos um Saara livre e lutar por ele, mas o Marrocos não vai nos deixar em paz. Em vez de direitos, só nos dá pauladas. Querem terminar com os saaráuis e que tenhamos tanto medo que não se volte a montar outro acampamento como esse”, refere.


Hamad tem um irmão que vive em Lanzarote. Chegou em 2006 com a anterior onda de lanchas do Saara após a represão que segiu à intifada de 2005, e foi aos poucos conseguindo o estatuto de refugiado político. Quase todas as petições, umas 200, tiveram o trâmite admitido, mas foram muito poucos os casos em que efetivamente se concedeu o asilo. Um dos irmãos de Abadalá também vive na Espanha, em Bilbao, e o jovem confia poder encontrar-se com ele em algum momento. Não tem claro ainda se procurarão à polícia par pedir asilo. “Temos que pensar bem, porque realmente temos medo de voltar ao Marrocos”, conclui.



Fonte: Elpaís.com – 09.janeiro.2011. Tradução livre: Julio Dorneles.

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